A “bolha” começa a se formar, mesmo que de maneira tênue e frágil, quando tomamos a decisão de fazer uma viagem de motocicleta. Digo decisão mesmo, não só vontade ou sonho. Quando pensamos: “EU VOU, seja sozinho, seja acompanhado!” Por enquanto ela ainda é imperceptível, mas está lá. A semente foi plantada e cabe a nós cultivá-la. Ou não.

Na primeira oportunidade que temos, informamos essa decisão para um potencial companheiro de viagem. Semeando também a nossa “bolha” no coração dele. E se ele se interessa pelo projeto, então está aí o campo fértil para que a “bolha” cresça e se desenvolva. Começa a fase de planejamento, quem vai, quando vamos, por onde iremos, etc. A “bolha” já existe, e ocupa um espaço considerável em nosso dito tempo livre. Aliás, não somos mais tão livres, estamos agora presos em nossa “bolha”. Só que ainda não sabemos.

Por um bom tempo, tudo que irá povoar nosso coração – e nosso cérebro – gira em torno da viagem. Quem não viaja, não entende o que é isso e acha que estamos numa espécie de transe hipnótico. Não estamos… ou estamos? Ah! Sei lá… rs fato é que a essa altura a “bolha” que nos separa do mundo cotidiano já é espessa o suficiente para contar com uma boa parte de nossa atenção. Nada que esteja fora da “bolha” nesse momento terá nossa total atenção. Outro fato.

Planejamento, preparação da moto, equipamentos, documentos. Tudo pronto para o grande dia, a partida. O tempo passa diferente para quem está do lado de dentro da “bolha”. Poucas horas parecem dias. A noite anterior à partida dura semanas… ou parece durar. Dormir na véspera? Nem pensar… o burburinho dentro da “bolha” é alto demais. Nosso coração não contém sua ansiedade e ela reverbera dentro da “bolha” mantendo você acordado.

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A partida parece ser o momento em que a “bolha” efetivamente se fecha ao nosso redor. Dessa vez suas paredes são tão grossas que retém tudo que é supérfluo do lado de fora. Fora da “bolha” e fora do seu raio de visão. Nosso foco passa totalmente para a estrada, para a viagem e tudo que se relaciona a ela naqueles dias. Serão dias rodando de moto, dias dentro da “bolha”.

Mas não pense que a “bolha” é solitária. Nela cabem muitas coisas. Cabem nossos companheiros de estrada, cabem as paisagens maravilhosas pelas quais iremos passar, cabem as pessoas interessantes que iremos conhecer, cabem também – infelizmente – todos os perrengues, comuns em uma aventura desse tipo.

E ela – a “bolha” seguirá assim, espessa, por um determinado tempo que varia de aventureiro para aventureiro. Depois desse tempo ela começa a enfraquecer, a fica menos densa… é nessa hora que a saudade nos atinge forte. É hora de voltar. Esposa, filhos, mãe, amigos… a saudade deles vai fazendo com que a “bolha” se desgaste, perca força e vá, aos poucos, nos mostrando que é hora de aportar em casa novamente. À esta altura nós já sabemos que a “bolha” não irá durar. Sua transparência começou a mostrar que o mundo lá fora precisa de nós. E nós dele.

Chegando em casa, normalmente, a “bolha” já é fina demais. Uma camada tênue outra vez, que irá se desfazer em poucas horas ou dias. Você agora precisa respirar ar puro novamente, fora da “bolha”. Viver a vida como ela tem que ser vivida. Até a hora de formar a próxima “bolha”.

(*)O texto acima descreve, de maneira um tanto lúdica, o que acontece conosco motociclistas viajantes… e com qualquer viajante apaixonado. Um transe hipnótico e uma “membrana” quase táctil se formam em torno da viagem. Ele foi 100% inspirado no conceito descrito no artigo homônimo “A BOLHA”, redigido pelo jornalista Fred d´Orey e publicado na Revista Fluir – março/2013. O texto original se refere a viagens de surf mas se aplica muito bem ao mundo das motos. “Fred, espero que você goste e aprove o resultado!”