O que vocês irão ler à seguir (bem como as fotografias que verão) são o relato do nosso parceiro Erivan Avellar sobre sua viagem entre as cidades de Perth (no oeste australiano) até Sidney, do outro lado do continente. Ele reside na terra dos cangurus com a família e é um apaixonado por motocicletas como todos nós. Esperemos que gostem!

Estou em Perth (Western Austrália), primavera, meio de setembro, época de temperaturas mais amenas na região, e prestes a iniciar a minha jornada de aproximadamente 5.370 km até Sydney, por asfalto. A expectativa era de tempo bom para os dias de travessia por uma das regiões mais remotas da Austrália – “the Nullarbor plains”.

O tempo disponível para a viagem era curto – 11 dias; os meus objetivos, simples: 1) tão somente passar rapidamente por cinco capitais (Perth, Adelaide, Melbourne, Canberra e Sydney); 2) conhecer parte do outback; 3) rodar toda a Eyre Highway (A1), The Great Ocean Road (chamada por mim de G.O.R), e a “Alpine Way” (“Snowy Mountains”).  Qualquer coisa além disso seria considerada lucro por mim, pois tinha ciência que deixaria de conhecer muitas das surpresas que me aguardavam pelo caminho.

A moto é uma KTM 990 Adventure 2006 com 47.400km no hidrômetro e aproximadamente 320 km de autonomia. Na bagagem uma mala pesada por eu estar de mudança “temporária” para Sydney, dois “panniers” contendo ferramentas, insumos, e algumas peças para eventual emergência, e equipamentos de camping. Uma mochila pequena serviria como “tank bag”. Um pneu dianteiro meia vida – Metzeler Karoo 3; na traseira, um novo Shinko Big Block. O combustível extra foi dividido em dois galões de 5L cada e só seriam usados em casos de emergência.

A AVENTURA SE INICIA.

Com pouco planejamento e conhecimento do que estava por vir, despeço-me da minha família por volta do meio-dia de um dia ensolarado. A emoção e ansiedade tomam conta nas primeiras horas da viagem. E não era por menos, aliás, eu estava prestes a curtir uma das mais fantásticas viagens da minha vida – com direito à temperatura alta, ventos fortes, muita chuva e neve, bastante vida selvagem e uma exuberante paisagem (outback, planícies, costa, montanhas, dunas e lagos secos), da hospitalidade das pessoas e das lindas vilas e cidades no trajeto.

No caminho, as florestas e as fazendas davam lugar ao outback que vemos nos filmes. A paisagem ganhava uma tonalidade diferente e mais charmosa na medida em que o Sol se punha. A vida selvagem já era mais aparente.

Por ter iniciado tarde a minha aventura, a minha primeira parada foi cerca de 650 km de Perth, na pequena cidade de Kalgoorlie em uma área de camping. Kalgoorlie é uma cidade em estilo colonial situada no outback, fundada em 1853 durante a corrida pelo ouro, de aproximadamente 34 mil habitantes. Uma região ainda muito rica em minerais, especialmente ouro, e que atrai muitos Australianos a procura de metais preciosos.

A minha chegada à cidade ocorre em uma época tensa na região, embora em nada afetasse a minha curta passagem pela área. Confrontos violentos diários entre uma comunidade aborígene local, polícia e órgãos do poder público em decorrência do falecimento de um jovem indígena. O noticiário indicava que o jovem furtou uma motocicleta e foi perseguido e atropelado pelo dono da moto que estava num veículo. A diferença entre a cor da pele da vítima e do motorista se tornou “combustível” para uma revolta racial e demandas por maior justiça e benefícios.

The trip must go on! Acordei bem cedo, guardei o meu equipamento, e sigo por 203 km ao sul – onde está situada a cidade de Norseman e ponto de partida da Eyre Highway (A1).

No trajeto, o lindo cenário do outback se mistura com os enormes campos de mineração, lagos, creeks e uma vista deslumbrante de um enorme lago seco – chamado de “Lake Cowan” – que corta a National Route 94. Que vontade enorme de dar uma volta naquela área e pernoitar por lá! Tive apenas que me contentar com uma parada de 30 minutos para apreciar a paisagem e tirar fotos do local. Certamente teria sido um dos pontos altos daquela aventura.

Finalmente chego a Norseman, pausa para o abastecimento e alimentação antes de entrar na Eyre Highway (A1). Um pedaço de papel me foi dado contendo a informação dos postos e respectivos horários de funcionamento. Nota-se ainda que o preço do combustível e bens de consumo aumentam na medida em que eu sigo para áreas mais remotas da Austrália.

A EYRE HIGHWAY (A1) & THE NULLARBOR PLAINS.

 Uma vez na Eyre Highway, a emoção novamente toma conta. Uma mistura de tensão e alegria por ser uma área remota da Austrália, não dispor de comunicação (visto que a minha operadora era Optus e não Telstra à época), e o receio de eventuais problemas mecânicos. Por outro lado uma belíssima estrada cercada de uma paisagem única, onde pouquíssimas pessoas têm a chance de visitar.

A Eyre Highway (A1) é a estrada que liga os estados de Western Australia e South Australia. São ao todo 1.675km de extensão e vai de Norseman (Western Austrália) até Port Augusta (South Austrália), tendo sido totalmente asfaltada em 1976.

A estrada corta a Reserva Regional Nullarbor, aquela situada sobre pedra calcária e com poucas árvores – 200.000 Km2 de área. Apesar das extremas condiçōes geográficas e de temperatura do local, em especial no verão, é residência de milhares de animais, dentre aqueles emus, cangurus, wombats e dingo. É estimado que haja ainda 100 mil camelos selvagens na região que foram abandonados durante a construção da estrada de ferro.

Entre as pequenas roadhouses de Balladonia e Caiguna, se situa a segunda reta mais longa do mundo – a famosa “the 90 miles stretch” (145.6km), perdendo apenas para um trecho de reta da Highway 10 na Arábia Saudita – 162 milhas (260.72Km).

Por ser uma região remota, no lado de Western Australia, algumas seções alargadas da estrada servem como pistas de emergência para o Royal Flying Doctor Service. As pistas de pouso são sinalizadas e com faixas no pavimento, além de dispor de baias para manobras de pequenas aeronaves. Dispor de “spot” ou “telefone por satélite” evidentemente auxiliam nesta hora, se bem que quem tem a Telstra como empresa de telefonia em tese não terá problemas para comunicação.

Apesar de ser uma área remota, a Eyre Highway possui inúmeras áreas para descanso, áreas “24 Hrs Stopping” para pernoite , caravan parks em algumas das road houses, bem como outras locais que certamente podem ser usados para armar a barraca. Banheiros e água podem ser encontrados em algumas das paradas disponíveis pelo caminho, porém chuveiros disponíveis somente nas road houses ou caravan parks.

Na divisa dos estados de Western Austrália e South Austrália há uma espécie de “alfândega” visando o controle de movimento de carga de origem vegetal e animal. O objetivo principal de ambos os estados é a proteção da delicada flora e fauna local, já ameaçadas por anos de descaso e descontrole desde a colonização europeia. Dentre eles cito camelos e dingos, cane toads (sapo de cana-de-açúcar), insetos, coelhos, e outros. Para aqueles que seguem em direção a South Austrália, no entanto, tal controle é situado na cidade de Ceduna. A falha em reportar produtos de origem animal e vegetal pode ocasionar em multa em eventual fiscalização.

Para mim a Eyre Highway é especial e merece mais atenção, uma vez que dispõe de várias áreas interessantes para explorar. Uma delas é “head of bight” – em certas épocas do ano e sobre um mirante é possível ver centenas de baleias e seus filhotes num único dia. Cruzar o “Great Australian Bight” ou EUCLA  pass por si só é de encher o capacete de lagrimas tamanha a beleza do local. Para quem gosta de off road, percorrer um trecho da antiga “Eyre Highway”. Ademais, visitar trechos da costa da Austrália, assistir o nascer do sol e o por do sol, ver o antigo posto de telegrafia, visitar as pequenas comunidades no caminho e respectivos pontos turísticos de cada local (apontados nas placas logo na entrada de cada comunidade); e se possível visitar a reserva aborígene de Yalata. À noite, a escuridão e o céu estrelado apenas enaltecem a beleza do local. O silêncio tão somente quebrado pela passagem dos Road Trains – os gigantes das estradas.

Um outro ponto da travessia que merece destaque é a famosa “The Nullarbor Road House” – um posto que começou a operar em 1956 por um fazendeiro local que queria aumentar a renda com a venda de combustível e prestação de serviços aos aventureiros da época. A bomba era manual e a estrada naquela época era toda de terra. Atualmente o posto possui uma melhor infra-estrutura para o viajante – motel, caravan park, lojas de conveniência e restaurante, etc. Mais informaçōes sobre the Nullarbor Road House: www.nullarborroadhouse.com.au.

 Para adicionar um pouco mais de “tempero” na minha jornada, o dia lindo e tranquilo que parecia se formar em uma das manhãs se tornara num embate entre o homem e a moto vs. a força da natureza e os Road Trains. Ventos fortíssimos na planície. Manter a moto carregada na estrada não foi uma missão fácil. Ao cruzar com um road train, a minha moto que se encontrava numa posição diagonal era sempre jogada para o escanteio. A fantasia naquela hora veio a mente – sentia-me um mad max do asfalto e com o único objetivo – a de chegar vivo do outro lado da Austrália (risos).

Assim vou terminando a Eyre Highway, pernoitando numa road house após a reserva indígena de Yalata, onde tive a oportunidade de conhecer o meu parceiro de viagem Ed Mazurek – um americano que estava terminando a circunavegação da Austrália numa Husqvarna com tanque Safari e autonomia para aproximadamente 600km. No dia seguinte seguimos juntos até o final da A1 – a cidade de Port Augusta. A chegada foi com chave de outro, ou melhor, pane seca para mim à 6 km da entrada da cidade. Com o uso do combustível de emergência, terminamos os últimos quilômetros e paramos para pernoitar numa “caravan park”.

THE GREAT OCEAN ROAD.

Em Port Augusta (South Austrália), o outback novamente dá lugar a civilização, as áreas de fazenda, vinicultoras e interessantes cidades. O novo objetivo agóra passa a ser a famosa “The Great Ocean Road” (ou G.O.R).

De Port Augusta (South Austrália) sigo até a cidade de Warrnambool (em Victória) – aproximadamente 980Km – passando rápido por Adelaide (capital de South Austrália) e a pequena glamorosa comunidade alemã de Hahnsdorf.

No caminho a divisa do estado, sem perceber, o meu GPS me leva por uma rota alternativa por meio de fazendas e mais fazendas e ….. mais fazendas, áreas de serra, bem como comunidades pequenas e casas em estilo vitoriano. Numa daquelas pequeníssimas cidades, respectivamente Coleraine (Vic), um casal de Holandeses toca a vida vendendo peças antigas de moto para colecionadores e motos DKT. Vale a pena visitar o website do casal há anos despacha pro muito todo peças de moto. (www.vintagemotorcyclesparesaustralia.com)

Nuvens escuras se formam e sigo em direção a cidade de Warrnambool sob forte chuva, onde sou obrigado a pernoitar num motel e secar as minhas roupas, luvas e bota.

São 5 da manhã, abro a cortina e vejo o sol raiar. Assim acelero até a G.O.R para aproveitar o tempo bom. Era de fato a minha manhã. Lindas imagens do começo ao fim da estrada.

A .G.O.R é uma estrada de 243km – patrimônio nacional Australiano – entre as cidades de Allansford e Torquay. Ela passa por Port Campbell National Park, os 12 Apóstolos, Great Otway National Park, Planícies Volcânicas,  região de lagos e muitas praias.

Se eu pudesse resumir tudo em uma única palavra – M.A.R.A.V.I.L.H.O.S.O!  A cada curva, uma parada. Uma estrada muito movimentada por turistas e motociclistas e inúmeras cidades. Três são os pontos que merecem maior atenção ao meu ver:  Port Campbell National Park, os 12 apóstolos e Apólo Bay. Maiores informaçōes podem ser obtidas no site www.visitgreatoceanroad.org.au.

Sob chuva chego ao meu destino final – a cidade de Melbourne – capital do estado de Victoria.
(CONTINUA)

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NOTA DA REDAÇÃO: Leia a segunda parte deste relato em 09.03 , não perca as próximas “cenas” desta aventura.