Em seu novo livro “Não Há Tempo a Perder”, o navegador brasileiro relata as dificuldades antes de uma expedição e revela bastidores de sua vida pessoal.
As pessoas nos olham como se fôssemos super-heróis ou tivéssemos qualidades extraordinárias. Não é bem assim. “Temos as mesmas dificuldades que qualquer um tem”. Amyr Klink, o mais notório navegador brasileiro, quer escrever sobre seus (quase) fracassos, esmiuçar as penúrias e cada dificuldade que encontrou — e encontra — antes de entrar no mar. Quer mostrar que a sua vida não é glamorosa ou idílica como muitos pensam.
Em seu novo livro Amyr Klink: Não Há Tempo a Perder, o navegador narra os pequenos acidentes que enfrentou inúmeras vezes antes de embarcar, questões de ordem familiar (como o relacionamento com seu pai) e técnicas que quase o levaram a desistir por tantas vezes. “Atrás de cada sucesso teve um rio de desastres e problemas”, disse em entrevista a Época NEGÓCIOS. “No final das contas, o mais fácil era remar”.
Em seus livros anteriores, Amyr narrou suas aventuras pela Antártica (As janelas do Paratii, Paratii: Entre Dois Polos). No best-seller Cem Dias Entre o Céu e o Mar, mostrou as curiosidades da viagem na qual cruzou o Oceano Atlântico, a remo, sozinho. Agora, é a vez de Amyr abordar, sobretudo, a questão do tempo, a partir de uma compreensão conquistada pela experiência. “Eu tenho uma angústia terrível, porque meus projetos demoram muito tempo para acontecer. Sempre tive que correr contra o tempo e acabei percebendo que o tempo é cruel: se você perdeu um dia, não vai recuperá-lo nunca mais”.
A angústia torna-se ainda maior para o navegador por causa da mentalidade que, segundo ele, impera no Brasil. “É um país onde todo mundo dá palpite, todo mundo fala, mas ninguém executa nada”. Durante toda sua carreira, Amyr precisou convencer clientes para quem construía barcos de que o mais barato custa caro no longo prazo. Que o “meia boca” e o “vamo que vamo” não funcionam. “No mar, se eu ceder à tentação de fazer mais ou menos, vou morrer”.
Um dos episódios narrados mostra que, por muito pouco, Amyr não conseguiu embarcar em sua viagem mais famosa, a de remo que partiu da Namíbia para o Brasil. “Tivemos pequenos acidentes que poderiam ter impedido a viagem. A minha saída do Brasil foi estrambólica. Deu tudo errado. Atrasaram a documentação, guias, comidas. Eu quase fui preso no Aeroporto de Congonhas”, diz.
O relato de bastidores, como Amyr descreve seu novo livro, também revela os anseios pelos quais passou durante o vestibular de economia na USP, como se encantou pelo remo nos treinos na raia da Cidade Universitária e até os preparativos exigidos em cada uma de suas viagens à Antártica – para onde foi mais de 40 vezes em 25 anos. “Sem nenhum acidente”, orgulha-se. Entre as histórias, é possível analisar como Amyr navega em meio a tantas burocracias, novas regulamentações e legislações incertas. As dificuldades também perpassam histórias de sua infância, com uma relação conturbada com seu pai.
Marina em Paraty
A entrevista para comentar do novo livro também é uma oportunidade para Amyr defender causas que, inerentes a seu dia a dia por tantos anos, nunca passam batido em um encontro com ele. “Temos uma deficiência de mão de obra no Brasil, de infraestrutura, cultural. O empresário brasileiro vive no modo de sobrevivência o tempo inteiro. Não consegue pensar de maneira estratégica ou em excelência”. Esse problema, segundo ele, reflete-se na falta de técnicos em várias áreas e é intensificado por uma visão de que só a universidade e o diploma fazem alguém ser alguém. “Você pega uma menina francesa de 19 anos. Ela conhece princípios de engenharia naval, solda, esmerilha, fresa, lâmina em fibra ou carbono, desmonta motor de popa. Um mecânico brasileiro não sabe isso”. Na Suíça, onde trabalhou por muitos anos, Amyr diz que 80% dos jovens optam por fazer ensino técnico antes de escolher qual universidade cursar.
Por isso, Amyr acabou formando em sua marina uma espécie de escola informal, com estrangeiros e moradores de Parati (RJ) que aparecem por ali cada um com seu motivo. Um de seus funcionários mais famosos é o Alemão, que “faz milagres” ao resolver os problemas de motores de embarcações envoltos a ferrugens. A escola informal também reúne eletricistas que reinventam circuitos elétricos quando panes aparecem ou pintores que aprenderam a realizar um trabalho que evita o acúmulo de cracas sem fazer uso de uma tinta danosa ao meio ambiente. A média salarial dos funcionários, segundo o navegador, supera o salário de um gerente de banco. No dia a dia com a equipe, Amyr gosta é de “questionar os sistemas e desenhar as soluções mais simples”.
Outra questão que aflige o navegador é a falta de incentivo à indústria de charter para fomentar o aluguel de embarcações para finalidades turísticas. “O Brasil é o único país onde o turismo é importante no PIB e não tem atividade de afretamento. O governo não sabe o que é e o ministro do Turismo não tem nem ideia. Eles não sabem que uma cidadezinha como Palma de Maiorca, na Espanha, fatura por ano em charter 1,5 vez mais do que todo o setor turístico brasileiro”, afirma.
O Rio de Janeiro tem espaço para “10 Palmas de Maiorca” e só Parati poderia gerar R$ 50 bilhões por ano em afretamento, segundo os cálculos do navegador. Essa indústria não se desenvolve por falta de legislação clara e pela exigência da Marinha brasileira de que todo capitão e membro da tripulação tenha carteira mercante [sete anos de formação profissional].”Sempre me perguntam: o que ocorre com os brasileiros? Eles não gostam de ganhar dinheiro? Por que precisam ficar vendendo minério ou fazendo Samarcos da vida?”, questiona o navegador.
Autor:BARBARA BIGARELLI
Fonte: epocanegocios.globo.com
E na fotografia abaixo, Amyr Klink e o editor do site Tô Na Estrada, Felipe Ribeiro.