“Vocês sabem para que serve o freio?” – essa foi a primeira coisa que a palestrante disse, diante de uma plateia de 50 gestores do mercado financeiro, já com boa experiência. Eu – e todos os presentes – pensamos no óbvio: parar um veículo. E ela continuou “…para acelerar. O freio serve para vocês terem tranquilidade para acelerar sem medo. Ou vocês acelerariam um carro sem a certeza de poder parar quando quiserem ou precisarem?”

Essa reflexão vale para o medo também. O medo serve para nos deixar chegar viver aventuras, nos arriscar próximos ao limite, sem ultrapassá-lo por – claro – medo das consequências. O problema é que esse medo vai diminuindo cada vez mais, de acordo com as nossas experiências específicas. E uma coisa é notória e indiscutível: quanto mais temos experiência em alguma tarefa, menos medo de dar errado e menos atenção prestamos aos detalhes.

Isso acontece com tudo que fazemos. Pilotar sua moto, por exemplo, é uma tarefa relativamente complexa: apertar a embreagem, engatar a marcha, acelerar suavemente enquanto solta a embreagem e presta atenção no piso, no trânsito ao seu redor, na aceleração da moto, no equilíbrio, etc… E tenho certeza que você faz isso SEM PENSAR muito, ou não? Faz no “modo automático”.

O problema é quando isso – essa experiência, esse “modo automático”, passa a nos deixar negligentes. Autoconfiança é bom, negligência ou prepotência se tornam perigosas porque “desligam” nosso alarme mental.

Conforme nossa experiência em viagens vai aumentando, proporcionalmente aos quilômetros rodados, começamos a perceber que alguns problemas não são tão “assustadores” quanto antes. Pneus furados, manutenção e peças de reposição fora do país, falta de combustível, quais ferramentas levar, peças sobressalentes, etc… Coisas que eram preocupação constante durante os planejamentos de viagem no começo, vão passando a ser questões corriqueiras conforme a experiência aumenta.

Encarar essas questões com mais leveza é uma coisa, mas começar a “achar que não vai dar problema” e arriscar, é outra bem diferente. E não pense que você jamais vai cair nessa armadilha porque pode cair sim. E explico o motivo: é algo irracional, involuntário e “humano”. Entrar nessa zona de conforto – perigosa – é mais comum do que você imagina. Quer um exemplo?

Corrente quebrada próximo a San Justo/ARG

Tenho o hábito de sair de casa, para viajar, com PNEU e RELAÇÃO SECUNDÁRIA (corrente, coroa e pinhão) novos em folha. Mesmo que as peças que já estão na moto, em teoria, tenham condições de fazer a viagem inteira. Retiro as usadas e guardo. Quando voltar de viagem, se for o caso, coloco as peças antigas novamente. Pois bem, em 2011 fiz uma viagem com três amigos, dois inexperientes em viagens e o terceiro, conhecedor do Brasil inteiro de moto e presidente de motoclube. No terceiro dia de viagem, a corrente de uma das motos quebrou.

Adivinhem de quem era a moto que deu problema? Pois é, este amigo saiu para viajar com a relação com quase 10.000 km, porque, segundo ele, a relação anterior durou mais de 30.000 km então “dava para ir”. Eu sempre levo uma corrente sobressalente, já que a XT660R é bruta e adora quebrar uma corrente…rs, e emprestei a ele. E seguimos rumo à Santiago do Chile.

Pinhão “banguela”

Na volta, chegando a Florianópolis vindo do Uruguai, o pinhão dele quebrou oito (isso mesmo OITO) dentes. Cruzando o Vale do Ribeira, no sul de SP, a corrente pulou fora e travou a roda traseira em uma curva. Meu amigo não foi ao chão por conta da vontade Divina. Resumindo, neste dia perdemos mais seis horas e sua moto chegou em casa de guincho.

Corrente quebrada travou a coroa

Ao todo perdemos uns dois dias de viagem, entre trocar a corrente no meio da estrada, anoitecendo, procurar corrente nova no dia seguinte (e não achar), acompanhar ele de Floripa à Curitiba rodando devagar para não termos problemas de segurança, chamar e colocar a moto no guincho, etc…

Enfim, excesso de experiência – e talvez preocupação de menos – poderiam ter causado sérios problemas ao grupo todo, além de colocar a própria segurança desse parceiro de viagem em risco.

Caso isolado? Não. Posso citar mais uma meia dúzia de casos semelhantes de conhecidos e, se pensar bem, posso encontrar algum meu também. Muitas vezes me pego me preocupando “de menos” com algum item importante, ou aplicando o famoso “depois eu vejo isso” e preciso puxar a minha própria orelha…rs

A solução é relativamente simples: RACIONALIZAR e ser SEMPRE CONSERVADOR. É preciso lembrar-se o tempo todo que o risco está ali, presente, e que sua experiência só ajuda você a lidar melhor com o problema caso ele surja, mas não elimina os riscos durante as viagens. Fique atento, e seja precavido: seguro morreu de velhice.

Autor:Felipe Ribeiro
Fotos: Arquivo Pessoal