Em 2006 realizei minha primeira viagem de moto para o exterior: fui da Grande São Paulo até Santiago do Chile, cruzando toda a Argentina. A volta planejada era pelo Uruguai porém, por ser alta temporada, não conseguimos passagem para todos + motos no Buquebus e a ponte para Fray Bentos (fronteira entre Arg e Ur) estava fechada por conta de manifestações de trabalhadores. Acabamos voltando direto para o Brasil, vindo de Buenos Aires até Paso de Los Libres/Uruguaiana, pela “famosa” Ruta 14 na província de Entre Rios.

Hoje, a corrupção dos policiais rodoviários nas estradas argentinas daquela região e os casos de extorsão de motociclistas e caminhoneiros, já é algo bem popular e conhecido. Na época, nem tanto. No trecho entre Bs.A.s e Uruguaiana (cerca de 650 km) fomos parados mais de cinco vezes. Em todas elas algum dos motociclistas que viajavam comigo (eramos três) teve de deixar alguma “contribuición”. E, claro, sempre pelos motivos mais esdrúxulos: faróis apagados em motos que não apagam o farol com o motor ligado, sem portar “matafuegos” (que não é obrigatório em motos) e por aí vai, até o cúmulo de alegarem que um dos meus companheiros havia ultrapassado em faixa contínua e, ao ser questionado ONDE isso aconteceu, o policial alegou que foi dez quilômetros antes e disse que havia um policial EM CIMA DE UMA ÁRVORE que os avisou via rádio.

A última vítima fui eu: faltando pouco mais de 50 km para chegar em Uruguaiana fui parado por um policial solitário. Eu já ia sacando meus documentos quando ele disse que não era preciso e, sem rodeios e na maior cara de pau, me pediu uma contribuição para ajudar a arrumar o ar-condicionado da viatura.

Como já estava “escaldado” pela experiência com os comparsas, digo, com os outros policiais, eu havia deixado apenas AR$ 5 na carteira. Isso mesmo, cinco pesos argentinos. E os entreguei ao policial com satisfação, confesso. Não me surpreendi com a atitude do policial até então, minha surpresa foi com o ABRAÇO que recebi em agradecimento pelos cinco pesos…

A experiência não foi muito agradável, como você pode imaginar. Ao chegarmos em casa, uma de nossas primeiras atitudes foi enviar e-mails para o consulado da Argentina em São Paulo, relatando o ocorrido, na esperança de alguma atitude.  Mal sabíamos nós que este tipo de situação/contravenção já estava sob investigação conjunta dos jornais “O Clarín” da Argentina e “Zero Hora” (Brasil), e renderia, apenas quatro meses depois, uma série de reportagens sobre o assunto (as reportagens podem ser lidas aqui!)

Porém, infelizmente não mudou muita coisa, mesmo com a alegação de que “medidas seriam tomadas”, como pode-se ver na reportagem. Desde 2006 já passei pela Argentina mais quatro vezes e, em todas elas, eu ou algum de meus companheiros foi assediado pelos policiais corruptos. E em 2009 até a associação de transportadores de carga da própria Argentina emitiu um comunicado (acima) no jornal “Clarín”, dizendo que ia para de transportar para a província de Entre Rios (imagem acima).

Triste e vergonhoso, principalmente porque a Argentina é linda e, ao contrário do que imagina quem nunca foi para lá, seu povo é extremamente acolhedor e simpático conosco, motociclistas brasileiros. Mas mesmo assim, nada disso tira a satisfação de uma viagem por aquele belo país. Eu recomendo…

Autor: Felipe Ribeiro
Fotos: Reportagem Zero Hora/Arquivo Pessoal
Agradecimentos ao site viajandodecarro.com.br onde encontramos
o resumo da reportagem dos jornais Clarín e Zero Hora

================================

Atualização em 26.03.2017

Acabei de rodar 8500 km somente dentro da Argentina, juntamente com mais dois parceiros. Cruzamos duas vezes a Ruta 12 (FOZ>POSADAS>FOZ) e não fomos abordados nenhuma vez sequer pela Polícia Rodoviária. Como relatado acima, “frequento” a região desde 2006 e a mudança mais sensível que notei (e pelo que percebi começou em 2013) foi uma alteração no “perfil” dos policiais naquela região: ao contrário de oficiais mais velhos e com aparência desleixada, o que vemos hoje são jovens – presumivelmente na faixa dos 20/30 anos – inclusive mulheres (o que não ocorria antes). Não posso falar mais nada de concreto sobre esses novos policiais mas, o que se vê quando se olha para eles é um ar sério e de certa austeridade, e não a nítida cara de malandro que se percebia antigamente.

Enfim, espero que essa mudança se estenda ao restante das regiões mais polêmicas, como a RUTA 14, que continua ainda com relatos extremamente frequentes de assédio e extorsão. Porém, é muito bom ver que algo está acontecendo de positivo nesse sentido, a Argentina é lindíssima e esse tipo de ocorrência acaba inibindo os motociclistas iniciantes de visitarem esse país.

 Felipe Ribeiro

Atualização em 01.04.2019

Passando para informar que tudo continua tranquilo, dessa vez fui até Ushuaia novamente e voltei, sem nenhum fato novo.

Felipe Ribeiro