Uma viagem de moto por um roteiro já conhecido pode trazer experiências surpreendentes, jamais imaginadas antes da partida. O ano era 2011 e eu já havia passado por Mendoza e Santiago três vezes, sempre com pressa, e nunca consegui visitar as vinícolas da região. Traçando o roteiro de minha viagem, pensei: por que não buscar novas experiências num roteiro já conhecido?

Liguei para um velho amigo, Victor Barandier, para conversarmos sobre planos de viagem e para minha surpresa, acabamos decidindo viajar juntos. Nosso grupo então se formou comigo (Felipe Ribeiro) e Victor (pilotando duas XT660 R), Anderson Barreto (Bandit 1250 S) e Thiago Carvalho (Hornet). Era a quinta vez que eu sairia do Brasil pilotando uma motocicleta em direção aos nossos vizinhos sul-americanos. Para os demais amigos, seria a primeira aventura internacional.

O tradicional roteiro “Puerto Iguazu/AR-Santiago/Ch”, rico em belas paisagens, dessa vez não seria a estrela principal de nossa viagem. Nosso “destino” era a cultura milenar do vinho e toda história que a cerca.

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Passar pelas cidades de Posadas, Resistência, Santa Fé, Córdoba, Mendoza e, finalmente, cruzar os Andes para então chegar à Santiago, me trouxe belas lembranças e lindas surpresas. Acho que essa é uma peculiaridade que só uma viagem de moto traz, o mesmo caminho e as mesmas paisagens, sob uma luz diferente, uma temperatura diferente ou um humor diferente, lhe proporcionam sensações totalmente diferentes também.

Partimos no dia 02 de abril, pernoitamos em Londrina, depois em Foz do Iguaçu, e já na manhã do terceiro dia de viagem estávamos adentrando em solo argentino, num dia tranquilo de sol e temperatura agradável. Após seis dias de viagem, fizemos nossa primeira parada para turismo: a cidade de Villa Carlos Paz, porta de entrada para o Vale de Punilla, destino turístico mais visitado na região de Córdoba – distante apenas 35 kms.

Nosso planejamento para o sétimo dia de viagem era dormir em Uspallata, mas o dia não rendeu como esperado. Percorremos um trecho conhecido como “Las Altas Mata Cumbres”, extremamente bonito e com constantes paradas para fotografar. Um dia lindo, com sol intenso e um clima ameno (excelente pra rodar de moto) deixou o cenário ainda melhor, e por conta disso chegamos à Mendoza por volta de 20:30h, resolvendo pernoitar por lá mesmo.

Apesar do trecho a ser percorrido neste dia ser bem curto (+/- 360 kms), teríamos que fazer aduana para quatro motos/motociclistas. Além disso, era a primeira vez que meus parceiros iriam se encontrar com uma das maiores maravilhas naturais do nosso continente: a Cordilheira dos Andes. Invariavelmente este primeiro contato é sempre impressionante e deslumbrante. A vontade de fotografar tudo que se vê é muito grande, as paradas são constantes, além da velocidade média de viagem ser bem baixa. Chegamos ao nosso destino final, Santiago do Chile, por volta das 20:00hs.

O domingo amanheceu chuvoso e relativamente frio. Decidimos então fazer um city tour pela capital chilena em um ônibus turístico de dois andares. O ônibus passa por 47 pontos turísticos e faz 12 paradas neste trajeto. Quem quiser pode descer para conhecer alguma atração e subir novamente no próximo ônibus que, em teoria, passa 30 minutos depois. Foi um excelente passeio e uma ótima forma de conhecer (melhor) Santiago.

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O décimo dia de viagem foi o escolhido para nosso primeiro contato com a cultura vinícola andina. E é claro que o primeiro questionamento que todos fazem é: como conciliar moto e vinho? A resposta é simples e óbvia: não dá! Portanto, buscamos a melhor solução possível: deixamos as motos no hotel e seguimos para nossa experiência etílica de metrô e depois de ônibus, sendo que nosso retorno ao hotel – com algumas taças de vinho no estômago e sacolas de regalos para a família – foi de táxi (veja dicas de como chegar às vinícolas no box no final dessa matéria).

 Seguimos para a mundialmente conhecida vinícola Concha Y Toro, localizada em Pirque, no Vale Del Maipo, próxima à cidade de Santiago. Fabricante de vários “rótulos” de diferentes tipos de uvas e preços, e lar do famoso “Casillero Del Diablo”, a empresa foi fundada em 1883 por Don Melchior Concha Y Toro.

O tour começa pela sede da fazenda Concha y Toro, uma mansão colonial cercada de imensos jardins e com parreirais a se perder de vista. Sua imponência é impressionante e transpira história e nobreza aos pés da Cordilheira dos Andes. Em seguida, um passeio pelos jardins e vinhas – com direito a constatar o sabor forte e doce das frutas ainda no pé -, antecede nossa entrada nos galpões de estocagem de vinho, repletos de barris de madeiras e a primeira degustação de vinhos do dia. Nesse momento, cada visitante ganha, de lembrança, uma taça.

O momento alto do passeio é a apresentação da lenda do Casillero del Diablo, quando entramos na antiga adega subterrânea, de tijolinhos pretos, repleta de barris de vinho. No fundo desta adega fica uma sala fechada com grades e centenas de garrafas de vinho empoeiradas, onde pode se ver, ao fundo, a silueta de um diablo oscilando ao sabor da luz. O tour todo é muito “turístico”, mas muito agradável e de muito bom gosto. Quem quiser mais informações pode encontrá-las no site oficial da Concha Y Toro. Um jantar aos pés do Cerro San Cristóbal finalizou nosso dia com chave de ouro, e nos deixou prontos para uma bela noite de sono.

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Cruzamos os Andes novamente, com destino à cidade de Mendoza. Uma surpresa – não muito agradável – ficou por conta do frio intenso (2°C). Ventos fortes e pequenos flocos de neve nos acompanharam por todo o trecho mais alto do Paso Cristo Redentor (cerca de 4.300m de altitude). Chegamos ao nosso destino no final da tarde e fomos dormir cedo, pois um novo dia em meio às uvas, parreiras e vinhos nos esperava.

 Um dos melhores dias de toda a nossa viagem amanheceu ensolarado, com um céu azul e sem nuvens. Às oito e meia da manhã já estávamos prontos, na porta do hotel, esperando a van que viria nos buscar para um passeio por Lujan de Cuyo, uma espécie de cidade satélite de Mendoza, onde se concentram as vinícolas. O tour havia sido contratado poucos dias antes, pela internet.

Clos de Chacras é uma bodega pequena, com produção anual em torno de 800.000 garrafas de vinho. Sua simplicidade nos remete ao romantismo da produção vinícola do início do século XX, mesclando tecnologias modernas com soluções adotadas há mais de um século pelos produtores locais. Suas instalações, em tons de terra e vermelho claro, deixam transparecer o peso da idade através de paredes largas, com pórticos arqueados e adegas repletas de garrafas de vinhos. Após essa visita extremamente agradável e da degustação de três vinhos de “níveis” diferentes (entenda-se qualidade e preço), seguimos para nossa próxima parada: Belasco de Baquedano

A Belasco de Baquedano é maior do que a Clos de Chacras e pertence a um grupo espanhol. O casarão onde se situa a vinícola é muito bonito e moderno, e atende os requisitos de uma bodega moderna sem esquecer a tradição e a história vinícola. Cercado de parreiras por todos os lados e com uma visão privilegiada dos Andes, é um lugar extremamente aprazível e bucólico. A vinícola conta também com uma exclusiva “Sala dos Aromas”, onde podemos sentir o odor de 46 ingredientes utilizados na fabricação de vinhos. Aqui, além de degustarmos vários rótulos, foi onde almoçamos também.

Depois do almoço seguimos para a vinícola Cateña Zapata, a mais conhecida de todas as bodegas que visitamos neste dia. O que chama mais atenção nessa vinícola – além dos imensos vinhedos que a circundam – é a sede, construída em estilo maia, muito ampla, nova e luxuosamente decorada por dentro. Cateña Zapata foi fundada em 1902 por Nicolás Cateña, italiano que chegou à Argentina em 1898, e é a bodega mais famosa da região de Mendoza, tendo recebido diversos prêmios internacionais.

Voltamos para o hotel no final de tarde, cansados, mas felizes pelo excelente dia de passeio que valeu cada centavo pago. Tudo isso que descrevi anteriormente custou U$185 para cada um. O valor, que inicialmente consideramos alto, se revelou baixo perante tudo que aprendemos e vivenciamos nesse dia. A empresa contratada, Trout & Wine, nos garantiu um serviço de primeira qualidade.

 No nosso décimo sexto dia de viagem, amanhecemos em Buenos Aires. Era um domingo nublado que logo se tornou num belo dia ensolarado. Saímos do hotel por volta das 9:30hs e fomos fazer turismo pela cidade. Não vou relacionar todos os pontos turísticos e atrações da capital portenha – seria necessária outra matéria completa – mas vale uma dica muito legal: conhecer Buenos Aires passeando com o ônibus turístico Buenos Aires Bus. Ele percorre os pontos turísticos mais conhecidos da cidade por cerca de R$ 35 a passagem.

Depois de atravessar o Rio da Prata e de um dia de descanso em Montevidéu, encaramos uma forte tempestade até o Chuí, já no Brasil. Nossos planos eram de pernoitar ao menos uma noite em Punta del Este, mas esses foram frustrados pela chuva e pelo cansaço físico, saudades da família, enfim, tudo que você, leitor, sabe como é ao final de uma viagem. De Chuí, seguimos para Guaíba/RS e depois Curitiba/PR, onde chegamos na noite do vigésimo primeiro dia de nossa viagem.

Eram 18:00hs do nosso vigésimo segundo dia de viagem quando cheguei em casa, na grande São Paulo. Victor, Anderson e Thiago ainda tinham algumas centenas de quilômetros à percorrer antes de repousar na segurança dos seus lares, no Rio de Janeiro.

Vivemos muitas experiências nessa viagem, algumas maravilhosas, outras inusitadas e curiosas, mas o saldo foi extremamente positivo e compensador. Conquistei dois novos grandes amigos e reafirmei outra grande amizade, conheci pessoas, vi paisagens e lugares e vivi emoções e sentimentos que não podem ser traduzidos em palavras. Tudo isso mesmo tendo feito um roteiro que conheço muito bem.

Só quem está na estrada, de corpo e alma, sabe do que estou falando.

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Texto: Felipe Ribeiro
Fotos: Todos os membros da equipe